Prendeu-o,
há coisa de uma ou duas semanas, uma voz doce, simpática, harmoniosa e
cúmplice. Guardou-a assim, pelo menos. Não fosse o ontem, e avançava uma mão
cheia de dúvidas. Assim, conhecendo este tipo, que é meu amigo faz muito tempo
e a sua longa vocação para paixões, paixonetas e ambas misturadas com o acaso,
dou-lhe crédito. E juntou à voz sedutora, a poesia e um jardim. Parece
literatura, sequer lembrei o episódio do supermercado biológico. Parece
literatura, mas é tentação em tempos do agora, sob um calor típico e um verão
que oferece tempo. Imagino-o, pois foi assim que me fez chegar o acontecimento,
sentado na relva de um jardim composto, envolvido por gente, garantidamente bem
mais interessada do que ele em ouvir o que haveria de se seguir. Atento o
suficiente, ia trocando mensagens. Fora, algures entre a mensagem recebida e a
resposta sôfrega, que há-de ter-se feito magia. - Sugeria umas teclas ou umas
cordas para acompanhar - Vem de lá, do que me permito pensar ser um palco sem
ornatos nem enfeites, apenas uma base a suportar uma jovem mulher hirta
recitando, a voz. Aqui, já o telemóvel havia perdido terreno. Focou-se na
silhueta, na voz e, não esmorecendo, nas palavras. No íntimo, ia cogitando
donde é que se lembrava daquele tom doce. Parece que a jovem partilhou algumas
composições poéticas. Umas da sua autoria, outras de autores nacionais e
internacionais altamente conhecidos. Tão breve, quanto possível, uma vez que se
lhe seguiam outros. Antes da tarde de poesia chegar ao fim, eis que se lhe assoma
na memória, a jovem e um pacote de leite. Impulsivo, dirigiu-se à jovem
senhora, cumprimentou-a, deu-lhe os sentidos parabéns e apresentou-se. Qualquer
coisa como, “G, o tipo do leite”. Ela deve ter devolvido um sorriso e, garante
ele, lembrou-se. Sem vergonha, quis mais do que a árdua tarefa de a encontrar
no Facebook. Pediu-lhe um contacto.
Queria aprender sobre estrofes, versos e culinária biológica. Safou-se e,
segundo actualizações recentes, deu frutos. O destino é um paraíso entre profanos.
Se não voltam, são uns meninos. Há verões assim. Cujo amor brota no meio de
poesia e leite de arroz.
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