Ainda
petiz gostava de desenhar. Imaginar e no papel acontecer. Ainda petiz rabiscava
com a convicção da imaturidade, à espera de ocupar o tempo. Deixava, quando não
me esquecia, espaço para os traços. Algures, numa divisão que agrega os
excedentes, devem estar cadernos cheios. Pequenos dons e garatujas também. Lá
atrás, numa atitude meio blasé, ocupei-me a deixar entrever no quadro escuro. A
vaga ideia de que fora um momento feliz. Inventei criar a giz sobre a ardósia,
um cavalo gigante, nele um homem montado. Não descurei os pormenores, desde a
bota adequada ao chapéu de aba larga. Ao peito trazia um cantil. As rédeas na
medida. Tão petiz, numa sala de aula em pausa. E longe de saber que a certeza
da bitola varia. Que a felicidade é instável e a liberdade muda conforte o
entendimento do conceito. Distante de ter em mãos o que, naquela idade, não era
potável. Felizmente. Retirei prazer das aulas de educação visual que, mais
adiante, fui tendo. As notas elevadas eram o retorno de que não ambicionava. A
galope deixou-se ir a série ininterrupta de instantes. Larguei a necessidade de
guardar no papel, em linhas convictas, as mais inusitadas ideias e os mais
banais pensamentos. Se não me falha a recordação, teve este homem destemido em
giz pintado, honras de continuação. A professora gabou-mo e deixou-o ficar.
Juntaram-se, à volta, os colegas. Rimos por tudo. No fundo, por nada.
Inevitavelmente tomei outro rumo. Ou outros. Não segui o trilho das artes, mas
não sou senão um fascinado pelas mesmas. Ironicamente tenho hoje grandes amigos
que são artistas. Dos valentes. Dos que têm talento, sangue e nervo naquilo que
criam. Talvez não por acaso, estou rodeado por felizes autores. E tive relações
que foram amor em estado puro com mulheres dotadas. Por estes dias, uma franca
amiga repetiu a proeza, voltou a expor em Lisboa. A cidade que a adoptou e deu
oportunidades. Ainda petiz não sabia, mas sou um privilegiado. Mesmo que desenhar
seja um passatempo que deixei pendente. À espera que volte uma inspiração
decente.
Trocaste os traços de giz pelas palavras...um artista é sempre um artista, seja qual for a maneira pela qual se expressa e tu nisso és brilhante. Já eu nunca tive nenhum talento que dissesse de criança que fosse coisa alguma...mas olha, sou feliz =)
ResponderEliminarNada,
EliminarQuase que perco as palavras perante a simpatia das tuas. Não há como agradecer a amabilidade que deixas. Agradecido, é como fico. :)
Não duvido, sequer por um instante, que a felicidade não reside no talento. E de que és feliz. Esse estado suporta-se noutras e bem mais relevantes características.
Que nunca nos falte a felicidade. Ainda que, sabendo que não é ininterrupta. Oscila e ainda bem!