Finalmente,
a carta nas minhas mãos. Já lá vão uns dias, sob um céu carregado, ameaçando
com chuva para qualquer instante. Deixei o carro longe, vim pelas ruas da
cidade. A calçada húmida. Um cão anda do avesso, parece à descoberta. Logo
depois, o dono chama-o. Traz um lenço enrolado na cabeça e isso dá-lhe estilo.
Espreitam umas madeixas de cabelo bem enroladas. As calças largas, com riscas
desenhadas. Fuma e parece bem, ameno no passeio, capaz nos corredores da vida.
Gabo sempre a verdade e o atrevimento de dar-lhe espaço. Prefiro-a à
expectativa. Fez-me lembrar um tipo que conheci lá atrás. Era genuíno, testava
os outros e refugiava-se nas drogas. Tanto, que vezes havia em que não sentia
nada fisicamente, mesmo que o tentássemos esmurrar. Mas isso é garrulice para
outras núpcias. Nas minhas mãos, por fim, a carta. Longas linhas de um recheio
que já conhecia, uma tabela que justificava o resto. A internet aproximou-nos
de tudo, chega sempre no imediato. A carta é a burocracia a fazer das suas, a
formalidade dos actos. Guardei-a no bolso interior do trench coat. Disse-me a minha irmã o nome do dito e, por isso, não
desminto. Tenho em espera umas ganas valentes. Que me vêm atiçando. Provocando
no sentido da mudança. De promover a novidade. De afastar o repetido. A carta
não mais foi do que a prova disso. Decisões, decisões e mais decisões. Hei-de
tomar rumo. A ver vamos se o certo. Recusar hoje pode trazer frutos amanhã.
Aceitar agora pode carregar maleitas no futuro. Absorto, insensível às
solicitações, não garante soluções. Estejamos aperaltados e perfumados ou na
simplicidade da rotina. Há espaço para ambas. E a verdade gosta disso. A
expectativa dá-lhe honras de presidente.
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