19.4.17

Espaço com todos os seus corpos e seres.

Acordei cedo, sem recorrer ao despertador, ainda que o mencionado esteja sempre disposto para qualquer eventualidade. De resto, como acontece com clara repetição. Fi-lo na minha cama, larga o suficiente para me esticar e guardar espaço. Com a luz subtil do televisor esguio a fingir incomodar. O telemóvel com acumuladas mensagens. A janela bem cerrada, a cortina fina a guardá-la. Com escassas peças de roupa adormecidas sobre uma cadeira bonita. Sob o silêncio dos dias, da rua sempre calma, de um país que ainda dorme com a devida quietação. Mas é uma espécie de ilusão matinal. Depois levanto-me, percorro o mesmo silêncio, e as verdades jorram pelos ecrãs afora. O mundo corre doente, numa patologia encriptada, mal pensada. Imagino-o num cinza e branco, mais pesado de negro, enfiado em dois comboios compridos. Onde os caminhos não se tocam. Um para lá, outro para cá. Repete-se este movimento sem que saia do mesmo poiso. Com ares de boomerang, mais uma das entretenhas do Instagram. Com a pesada excepção, é que este último pesca likes e não fica imortalizado na carne, nas vísceras ou na vida de alguém. Discute-se, a plenos pulmões, a parentalidade da senhora das bombas. Uns gritam mãe, do outro lado explicam porque são o pai. A seguir testam-se mísseis e lembram-se as nucleares que guardam na manga. Morrem pessoas – seres humanos – todos os dias à mercê de uma guerra que não compram. De uma tentativa de fuga que não vê a luz do dia. Cospem-se perniciosos discursos sobre os nossos e os outros. E, pasmados, sabemos da existência de um campo de concentração para homossexuais na Chechénia. Não me engano se lembrar que estamos em Abril de dois mil e dezassete. Espantam-me os olhos fechados, as conversas desconexas e, por vezes, odiosas, que venho assistindo por cá. O mundo gira lá longe, mas não nos esqueçamos, jamais, que vamos embalados na carruagem que mais parece um balancé. Que soluço este, minha gente.

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