18.4.17

Inferências matinais.

Acabei por pousar o livro de páginas generosas sobre o que havia de chamar de mesa de apoio. Estava, há tempo demais, à espera de um dia. De uma pausa conveniente, de um lugar perfeito. Agora tem um candeeiro aperaltado, de design arranjado, uma vela com a marca estampada e um arranjo florar todo primaveril, por companhia. Penitencio-me – menos do que seria necessário – por não devolver a atenção de outros tempos à leitura. Atropelo-me, à margem de outros termos, na hora de fazer escolhas. Surgem opções e razões. Entram numa luta inglória. Fico feito coisa nenhuma perante o resultado. Não sei outro facto senão que sou eu o único e real culpado. Não ofendi a decoração pensada, mas adulterei a função do livro. Noutro tempo, ainda pequeno e sagaz, inventava formas de assaltar a estante da casa dos meus avós maternos. Vi-a imponente, carregada de enfeites. Os livros tinham lugar de honra, nas prateleiras cimeiras. Depois de várias e vãs tentativas, o sofá de orelhas pareceu-me a escada necessária. Queria ler e, mais do que isso, queria conhecer outros e diferentes enredos, outras palavras e autores. Por sabê-los longe da minha idade, larguei na procura de lá chegar. Tinham um sem fim de prosa e poesia. Li novelas de autores nacionais e internacionais. Dicionários de filosofia e botânica. Um livro bem discreto com bonita poesia erótica, cujo nome da autora ainda hoje não consigo recordar. Certamente, li fora de tempo, antes de ter o discernimento necessário. Hoje corro sei lá para onde, deixando ficar partes fundamentais da engrenagem. Falta-me a agudeza de espírito e a finura do corpo para voltar à fonte do raciocínio.

Sem comentários:

Enviar um comentário