22.5.17

Finos ornatos numa bojuda jarra.

Lembro-me dos arranjinhos de flores frescas, bonitas, quase certinhas, ainda assim com ar selvagem e agreste. Com cores que regalavam os olhos ou em tons mais suaves. Lembro-me das jarras com água limpa. Da mesa redonda, da madeira forte. Do cheiro a natureza. Sempre com a luz da porta grande a tocar-lhes. Com os cortinados recuados. Na cozinha, sempre um ramo generoso de alecrim, outro de alfazema. Cheiros bons e atrevidos. Começada a Primavera, era sabê-las lá. Naquela sala, inventava-se um palco de criatividade floral. Os quadros grandes numa estranha e imponente posição de espectador. Era assim, de mãos meticulosas, que os dias giravam com outro aroma e graça para a vista. Para criar ambiente, para oferecer vida às nossas vidas, diziam-me. Lá, devo ter evitado a mensagem, bem mais a imagem, devo ter passado à margem. Mas é memória. Para lembrar que o nosso quotidiano é relevante, mas jamais será o mais importante. Não é isolado. O mundo e os acontecimentos. As experiências multiplicam-se fora de nós, do nosso conhecimento. Correm à semelhança e ao passo do tempo. Bem escasso, tão valioso que não se deixa vender. Tão especial que tens o direito de escolher. Pensar é fácil, mirramos no exacto instante de agir. Oferecer – não despender - tempo a algo ou a alguém é um dos caminhos. Não que nos soe a egoísmo, mas porque é uma acção bilateral. Ficar, sem contar os movimentos dos ponteiros, a olhar ou a conversar, é tremendo. Dás-te ao outro, logo à matéria que não te pertence, e recebes a certeza de que o teu umbigo é francamente frágil, efémero e, em tempo algum, o dono do mundo. Mesmo sem prestar atenção, sempre achei genuíno e elegante o ambiente daquele espaço. Ainda mais no dia em que fiz, acidentalmente, cair a jarra maior. Colhi cada um dos pedaços e trouxe a certeza de que são os actos que criam laços.

2 comentários:

  1. Real....
    Tu tens sempre esse dom magnifico de me fazer viajar entre os pormenores e os cheiros....
    Adoro alfazema....
    Adoro a forma como tudo gira sempre à volta da relação humana....da importância que isso tem.
    É isso aí.... dizia Seu Jorge ;)
    Beijos

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    1. Entas,
      Obrigado pelas palavras, pela visita! Sempre simpática, sempre a ler nas entrelinhas.
      No fundo, é aos sentidos que recorremos quando queremos chegar à memórias. São autênticos indutores. :)
      E diz muito bem. ;)
      Um beijo.
      Até já!

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