31.5.17

Singular.

Desde petiz que sei que sou um privilegiado. Porque o sinto, porque o entendo, porque o vivo, porque mo dizem. Os meus, em tempo algum, o fizeram em jeito de atestado passado. Ou por meio de longos discursos. Antes em conversas trivialmente assertivas. Ou em acções dignas e saborosas. Às vezes menos, mais agrestes e azedas. Como tudo aquilo que se prende com a vida. No fundo, funcionou assim e ainda traz esses jeitos. Um barómetro inexistente fisicamente, mas profundamente presente. Porventura, todos a moldar a minha posição sobre algumas posturas. Não me apelido de intransigente, mas habito lá perto um par de vezes. Não respondo sempre – raramente - com a mesma pronúncia, mas guardo cautela perante alguns “delitos” (com as devidas comas; nada de superior) que me dirigem. Comigo não funciona o falso testemunho, a mão leve ou a boca fraca. Em que circunstância e sob que justificação for. Só porque embeleza o quadro ou varre para debaixo do tapete a sujidade dos actos. Não tolero, pese embora, algumas vezes me finja super blasé. Funciona, não desminto. E devolvem-me sorrisos, nada bonitos, mas bem ardilosos. E os dias seguem. Como deve e tem de ser. Desde puto que sou conhecedor daquilo que me envolve. Desde logo, na minha família, na minha casa, nos meus amigos, até nos conhecidos. Essa avaliação não guarda números. Sentes, mesmo que enquanto o vivas não saibas. Acumulas até chegar o entendimento. Nesta medida, cabem ainda alguns bens materiais, que não sendo fundamentais, contribuem para o bem-estar, para a vida mais leve e despreocupada. Ser-se privilegiado não é uma definição, é uma condição. E, mesmo assim, parece-me que os parâmetros mudam consoante o proprietário – perdoem-me a expressão, mas nada é eterno. Ser é tão diferente de parecer. E eu, em nada diferente, sou muitas coisas que não deixo parecer e pareço outras tantas que não deixo acontecer. A dada altura reduz-se a importância a zero. Ao vazio. Que é como deve estar. Sequer me belisca que me vejam altivo e arrogante, quando não pretendo outra verdade. Sequer me atenta que me vejam de piada fácil, riso repetido ou discurso menos moderado, quando é essa a minha sinceridade. Ainda que me chamem privilegiado quando olham de fora, sem autoridade, a olho nu, pelo que ofereço no correr dos dias. Desde petiz que sei que sou um privilegiado. Porque o sinto, porque o entendo, porque o vivo, porque mo dizem. Mas em instante algum recorro ao dinheiro quando penso nisso. A inteligência dos afectos suplanta tudo. E não está à venda. Ou nasces com ela ou encontra-la numa esquina mais adiante. Caso contrário, é um jogo perdido. Saiu-me a sorte maior, sou um privilegiado desde o primeiro minuto.

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